Crónica de Alexandre Honrado
Morrer na Palestina
Não defendo israelitas nem palestinianos, não faço essa opção do peso que na balança por vezes faz pender as simpatias para um ou outro lado de um enorme desequilíbrio.
Não vejo acerto na guerra, nem justificação para a mesma, seja ela qual for, como continuo a desprezar aqueles que andam por aí a pedir a pena de morte para este e para aquele, como se a morte fosse coisa que um ser vivo pudesse guardar para os seus semelhantes sem perder a dignidade do ar que lhe foi dado respirar.
Não respeito quem mata e não apaziguo a minha revolta ao ver bombardeamentos, mortos civis e militares, mulheres, velhos, crianças, vítimas de armamento e idiotice de quem manda utilizá-lo.
Vem isto a propósito dos conflitos sangrentos e vergonhosos entre Israel e Palestina, fações rivais que neste momento convergem, quando pedem apoio ao Conselho dos Diretos Humanos da ONU (apoio “para condenar os ataques do Hamas, enquanto a diplomacia da Palestina pede ao mesmo organismo para investigar a ocupação ilegal de Israel”).
A faixa de Gaza percorre-se a pé numa tarde. É um território exíguo, porém gigantesco na sua simbologia.
Não escondo nunca a minha obsessão pelo estudo do ano de 1917 e data exatamente de 2 de novembro desse ano a primeira página moderna e atualizada de uma história que continua a ser escrita, com sangue, mortos, ódios – e pouco ou nenhum acerto nas soluções exigíveis.
Tudo começou pela Declaração Balfour, mais concretamente uma carta de 2 de novembro de 1917, que tem o nome do então secretário britânico dos Assuntos Estrangeiros, Arthur James Balfour. A carta era endereçada ao líder da comunidade judaica do Reino Unido, o Barão de Rothschild, com o pedido que transmitisse o seu teor à Federação Sionista da Grã-Bretanha. Esse teor prendia-se com a intenção do governo britânico da época, de facilitar o estabelecimento do Lar Nacional Judeu na Palestina. A única condição era a de que a Inglaterra conseguir derrotar o Império Otomano, que dominava a região indicada na carta, para a criação do tal “Lar Judeu”.
Lia-se isto (na carta):
O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país.´
“Desde já, declaro-me extremamente grato a V. Sa. pela gentileza de encaminhar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista.
“Arthur James Balfour.”
Não há qualquer segredo ligado a este texto, aliás publicado na imprensa duas semanas depois, em 9 de novembro de 1917 (o mesmo ano em que, muito oportunista e diplomaticamente a família real inglesa mudava o nome para Windsor. Windsor, pois a casa real reinante do Reino Unido e dos outros Reinos da Commonwealth é de descendência paterna alemã e originalmente um ramo da Casa de Saxe-Coburgo-Gota, ela própria derivada da Casa de Wettin, que sucedeu à Casa de Hanôver na monarquia britânica após a morte da Rainha Vitória, esposa do príncipe Alberto, o que não era muito popular na época, em que a Alemanha era o principal inimigo na sangrenta e inexplicável I Guerra Mundial).
A Declaração Balfour foi posteriormente incorporada no Tratado de Sèvres, que selou a paz com o Império Otomano, e também no documento que instituiu o Mandato Britânico da Palestina.
O documento original encontra-se na British Library.
A França e a Itália, aliadas de Londres na Primeira Guerra Mundial ratificam espontaneamente a Declaração Balfour, certificando-se que o Oriente ficaria sob administração exclusiva do Império Britânico.
Os Estados Unidos ratificaram a Declaração em agosto de 1918.
Os judeus, um dos povos do mundo sem Estado próprio, rumam logo a seguir à Palestina de forma massiva. Mas a Palestina já era habitada há milénios… por judeus e, nos últimos séculos, por uma maioria árabe, sobretudo oriunda da Síria e locais vizinhos.
A coabitação tornou-se tensão, ainda em 1890, com a fundação do movimento sionista.
Em meados do século XIX, andavam por ali mais de 350 mil árabes, cerca de 80 mil judeus e ainda outros grupos que nunca haviam formado um estado soberano naquele território, tendo sempre sido colónias de grandes impérios. Mas o que deixou furiosos os árabes residentes na região da Palestina especialmente, foi o facto de que fosse fundado um estado onde a religião não fosse a islâmica.
Hoje, a guerra de maio de 2021, a que assistimos há dias, entre 6 e 21 de maio, parece ser determinada por interesses de construção civil e brigas de condomínios, como entre quaisquer vizinhos que não se toleram. Em maio de 2021, ocorreram confrontos entre manifestantes palestinos e a polícia israelita sobre uma decisão planeada pela Suprema Corte Israelita sobre despejos de palestinos em Sheikh Jarrah, Jerusalém Oriental.
Fundamentalmente é isso e nada disso. Ou melhor, é mais uma página vergonhosa na história do mundo.
Alexandre Honrado
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